quarta-feira, 25 de julho de 2018

VISITA AO INFERNO (CONTO)



Tão jovem e já estava estirado em um divã na bela manhã ensolarada da sexta-feira, com os óculos apoiados na testa, o doutor com uma das hastes de seu par entre os lábios, esferográfica balançando entre o polegar e o indicador da mão direita imitando um transtorno obsessivo e o calhamaço preso aos dedos da mão esquerda, com poucas anotações:

- Mas esse negócio de céu e inferno não existe mais. Em meados do século vinte e um isso já é tão retrô...

-Desculpe, doutor! Não tem moral par dizer isso com essa Bic e esse bloco de papel nas mãos. Além disso deve abster-se de pura opinião. Entenda! Cresci na igreja, pais muito rígidos, sabe como é? Outros tempos, doutor. Outros tempos. Meus pais são da antiga...

- Sem problemas. Estamos aqui para afugentar os seus fantasmas, não é mesmo?

- Na verdade eu já os espantei. Acho que já me libertei deles. O problema mesmo é que no momento enfrento outro dilema: sabe, eu nunca quis ir para o céu. Sempre preferi ao inferno. E agora, aos dezenove anos, quase na mais plena independência declarada, a maioridade tão desejada, dono do meu nariz...

- (tsc) Vamos ver se eu entendi –

- Claro que entendeu. Eu quero aproveitar o que a vida tem de melhor, cometer os pecados que tenho direito, enfim, quero viver de verdade e não ser um morto vivo.

- Sim, Richard, eu entendi. Mas precisa descobrir onde estão seus limites e aprender a arcar com as consequências de seus atos. Veja bem: Não estou dizendo que você não sabe, mas é algo muito complicado. Viver é difícil e você está em uma fase conturbada em que precisa firmar-se. Profissionalmente, por exemplo, como andam as coisas?

- Terminei o médio, doutor. Já escrevi alguns poemas e com isso conquistei algumas garotas. Fiz uma peça de teatro no terceiro ano e parece que levo jeito. Meu “Puck” me fez ganhar um prêmio no festival estudantil. Não é massa?

Meio sem jeito, o doutor concordou: “Sim, massa.”

– Mas ainda não sei bem o que quero.

Alguns segundos do silêncio que o doutor apresentou foram suficientes para incomodar Richard.

-Então? O senhor acha que o céu é para mim?

- Ainda é cedo, Richard, para dizer alguma coisa. Lá pela décima terceira sessão, quem sabe eu possa esboçar alguma opinião a respeito.

-Mas doutor, eu só quero saber por que sou diferente. Enquanto todos querem o céu eu prefiro ao inferno.

-Talvez seja mesmo por causa da idade.

- Mas todos que preferem ao céu têm a mesma idade que eu.

- Talvez estejam em outro nível de consciência.

-Superior? Ou...

- Não há como medir esse tipo de coisa, Richard.

- Doutor, pelo amor de deus...

- Deus? Espera, Richard, como você diz que quer ir ao inferno ao mesmo tempo que clama a deus?

- Puro vício de expressão. O senhor não entendeu nada. Eu não sou ateu.

- Entendi.

- Se o senhor entendeu porque quer prolongar a conversa? Só para que eu venha até aqui mais uma, duas, vinte vezes? Só para ganhar mais dinheiro? O senhor é um mercenário.

- Não é bem assim, garoto. Além disso foi você quem me procurou...

Richard já havia levantado do divã.

- Garoto? Está me chamando de criança? Já sou um adulto formado. Não vê?

- Tudo bem, jovem. Acho que seu problema é outro.

- Está me chamando de louco? Esquizofrênico ou coisa parecida?

- Richard, entenda?

- Pois é tudo o que eu quero. Entender o que está acontecendo comigo. Por isso empenhei toda a minha mesada nesta sessão.

- Mesada? Mas há pouco não mencionou a palavra “independência”?

Richard ficou calado, mas inquieto enquanto o doutor fazia mais anotações.

- Quer saber? Chega disso tudo! Vou ao inferno sozinho.

Saiu e bateu a porta sem interesse na reação do doutor.

No meio da noite pegou o carro do pai e saiu para encontrar uns amigos. Duas garotas do terceiro ano e o melhor amigo desde a infância. Pararam na boca e enrolaram alguns baseados após esvaziar garrafinhas de álcool. Richard estacionou próximo ao “Hell´s Club”, uma mistura de pub e casa de swing. Deixou o carro na mão do valet e entraram.

Na pista de dança Richard flertou com uma mulher bem mais velha. Linda, porém. Loira platinada e esguia. Corpo malhado que mais parecia o de uma jovem com menos de trinta. Devia beirar os sessenta. Mas não aparentava.

Lá pelas tantas, puxou uma das “amigas” para um labirinto iluminado com luz bem fraca. Enveredaram pelos corredores de onde se ouviam alguns gemidos. Viram vultos e chegaram a um quarto onde deram de cara com a bela senhora vestida apenas com lingerie. Richard foi agarrado por ela – e era o que almejava desde que a viu – e quando conseguiu olhar para o lado percebeu a amiga enroscada com o doutor que havia consultado pela manhã.

quarta-feira, 4 de julho de 2018

#101

"AVISA A SUA MÃE QUE O TIO JURANDIR OPEROU AS HEMORRÓIDAS, MAS PASSA BEM!"
 - era esta a mensagem deixada pela prima na rede social, bem na postagem daquela "selfie" que tirou ao lado do "crush" no fim de semana.

sexta-feira, 27 de abril de 2018

#100 [olho biônico]

Por um motivo banal o drone perdeu-se entre as estrelas. Fugiu ao perceber que o olho biônico da moça que flertava há alguns segundos registrou sua imagem primeiro.

quarta-feira, 11 de abril de 2018

#99


Ultrapassava o portão quando a velhota arregalou os olhos:
- Cuidado! O cão...
Não havia percebido a placa no portão.
Mas o pitbull correu apenas para me cheirar.
Entreguei a carta e fui convidado a um chá.
- Seu irresponsável. Queria ver se ele o tivesse abocanhado. Deixaria comer até os ossos. Irresponsável. Estava pronta para gargalhar se ele o atacasse. Distraído.
Ignorei as ofensas e respondi, apenas, que sempre havia sido bem tratado pelos animais.

quinta-feira, 15 de março de 2018